agosto 16, 2013



Gostava sempre de por as nossas duas fotos ao lado uma da outra. Ambas de perfil e a preto e branco. E dizia sempre: "não somos iguais?".
Nunca lhe perdoei a Barbie que me estragou, quando a atirou contra o sofá e a cabeça saltou como se sempre tivesse tido a vontade própria de sair daquele corpo cheio de mamas e cintura estreita.
Desafiava-me a paciência cada vez que me tentava domar à força, com palavras pesadas e moralistas. E eu retorquia de diversas formas, quando lhe atirei com uma maçã já mordida, ou quando corria à volta da mesa a desafiar que me apanhasse e travava até estar quase nas mãos dela.
Só lhe pedi uma vez que me levasse com ela à missa, queria fugir de uma miúda insuportável que brincava comigo lá em casa e não vi outra desculpa melhor. Na altura respondeu-me: "deves estar para aprontar alguma, tu não gostas de ir à missa".
Aprendi a cozinhar das tantas vezes que a observei e o sentido que ganhei pela casa e pela organização é dela. Uma cozinha nunca fica por arrumar e só nós é que o sabemos fazer na perfeição!
Gostava de comprar roupa, mas fingia que era só quando era mesmo necessário. Depois experimentava a roupa em casa e olhava-se ao espelho e perguntava: "achas que me fica bem?". E quer eu dissesse que sim ou não, era indiferente. Rematava sempre: "não me fica bem aqui... olha, vou trocar".
Fez sempre o que lhe apeteceu, mas disse sempre que era em nome dos outros. Mas não era verdade, era pela exclusiva vontade dela.
Não gosto de sopa por causa dela.
Não acredito na igreja porque me obrigou a acreditar em razões sem me saber dar os argumentos certos.
Sempre quis ser o oposto dela, mas o facto é que somos parecidas.
Ainda mantém alguns cabelos loiros, o resto inundou-se de branco.
Ficou apenas o olhar azul já sem ser tão reprovador.
Agora dispersa-se e troca as conversas e faz a mesma pergunta 100 vezes.
Se lhe contar tudo isto ela vai sorrir mesmo que não se lembre.
Mas lembra-se de mim, mesmo que tenha parado algures no tempo.
Mesmo que acorde no sofá à noite e pergunte: "a nossa Joaninha já chegou da escola?".
A avó Carmo tem alzheimer e está a ficar sem a vida que tantas vezes me irritou.
E eu ainda não percebi se aceito que este seja o nosso desfecho...

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