dezembro 26, 2012

postais de felicidade


As reuniões para celebrar o Natal são sempre mais que muitas.
Com os amigos, a família afastada, os que não são nada, mas a quem devemos a nossa presença... Brindamos ao Natal uma semana antes e criamos, eu crio,  a expetativa da noite em si como se fosse um apogeu de sensações espremidas a um só dia.
A noite da família, onde os presentes foram delegados para segundo plano e os afetos passam a ser a palavra chave para os adultos.
A família... repito eu sozinha dentro da cabeça a cada brinde ou almoço antecipado, a cada encontro marcado.
Chegam-me as fotografias dos bebés dos amigos, como postais perfeitos.
A minha família já se sentou e já se levantou.
A família já saiu.
Véspera de Natal e sento-me no sofá já vazio.
A meia noite ainda vai chegar.
Olho para a sala ainda com luz de velas e aromas de açúcar.
Não se ouve nada para lá da chuva que bate no vidro.
Passo pelos filmes todos e paro no canal das crianças.
Deito-me no sofá porque não quero adormecer cedo demais na cama.
A família... penso.
Viajo pelas pessoas que estão longe e penso se estarão sozinhas, tristes, felizes.
Imagino o ruído que estará na casa dos amigos que têm os bebés dos postais de felicidade.
E chego ao meu sofá, ao meu silêncio.
A família... falta-me qualquer coisa muito minha.
Qualquer coisa que não construí.
Qualquer coisa que ficou tarde para criar.
Qualquer coisa que imaginei nos postais...

dezembro 19, 2012

os pais deviam fazer testes psicotécnicos, antes de serem nossos


Falhou-me o presente de Natal que tinha para lhe dar.
Ou talvez não o tenha procurado o tempo suficiente.
Almoçamos sempre todas as semanas, quase sempre à quarta.
Hoje almoçámos também.
E foi já o almoço de Natal e o de despedida do ano.
Justifiquei-me atrapalhada pela ausência do presente. Nem aos manos dei nada.
E ele, a mim, disse que queria comprar algo, mas que também não calhou. Esticou a mão, deu-me dinheiro. Eu guardei sem ver.
Falámos das notícias do país, da escola dos irmãos. Os irmãos, as notícias do país.
Eu não falo de mim.
Ele não fala dele.
Temos um rio que corre bravo entre nós e que tem dor e mágoa e lágrimas de um passado arrancado sem permissão para se reconstruir.
Olhei-o de relance a pensar que lhe devia contar alguma coisa de mim, mas perdi a coragem. Eu perco sempre a coragem.
Dizer quem sou obriga-me a ter coragem?
Mas eu não tenho vergonha de mim. Ou tenho? Ou será a culpa?
Parou o carro em frente ao meu trabalho, como o faz todas as quartas.
Forcei o sorriso de euforia e de quem é desligada dos afetos.
Não o olhei nos olhos.
E enquanto deslizei pelo banco para me erguer de pé na estrada disse mais uma vez, como em tantos anos o aprendi a fazer...
"Adeus pai".

dezembro 03, 2012


Se a tua mochila não fosse tão pesada.
Se o corpo não te atraiçoasse a vontade de ir mais longe.
Se as mantas não fossem de lã.
Se o espaço que tens me encaixasse nele.
Se o meu mundo fosse mais pesado.
Se o meu faro fosse menos apurado sobre os que te rodeiam.
Se a manhã fosse desejada pelos dois.
Se a nossa vida fosse só nossa.
Se o meu mundo fosse visto pelos binóculos do teu.
Se o medo do escuro não existisse.
Se a maldade dos que já te amaram não nos envenenasse.
Se a tua música ouvisse a minha.
Se desses ambição ao sonho.
Se a água fosse sem gás.
Se o tempo não me precipitasse.
Se o amor não fosse tão cobarde.
Se assim fosse.
Talvez tudo se desse.
Se não houvesse o se.