fevereiro 15, 2016

Céu cinzento.
A chuva bate como agulhas afiadas no vidro do carro.
O túnel que geralmente facilita a minha chegada ao destino, hoje está todo parado.
15 minutos fechada num buraco sem luz e a respiração começa a apertar.
Saio do túnel quase sem fôlego.
Faço pisca para tentar mudar de faixa mas um autocarro duplo cola-se a mim e agride os meus ouvidos, sem tirar a mão da buzina.
Abro o vidro e insulto-o sem qualquer pudor nas palavras.
Grito com toda a fúria que já acumulei no pouco tempo que foi já este meu dia.
Entro na faixa para onde queria ir.
E volto a olhar para trás e a insultá-lo, com um ódio visceral.
Chego ao estacionamento e hoje deixo o carro no lugar das grávidas, nunca o faço porque gosto de me comportar sem privilégios, mas hoje já chega.
Entro no escritório e dou um gole num café que sei que não devia beber.
Também não devia discutir.
Também devia ser mais frágil, mas não sou.
A barriga contrai-se toda, dói.
Tenho uma vontade louca de partir as coisas e sair, de regressar a casa.
Tenho uma vontade louca de ter um mundo justo.
E num mundo justo um autocarro que é 4 vezes do meu tamanho e conduzido por um homem, nunca pode ser uma ameaça a uma mulher.
E grávida ou não, enquanto um homem ameaçar uma mulher, seja eu ou outra, vou sempre ter um ódio visceral, capaz de o esmagar.
É verdade... hoje é segunda... já se esperava que fosse ser assim...

fevereiro 11, 2016



Como é que imaginamos alguém que ainda não vimos cara a cara?
Mesmo que nos toque todos os dias.
Mesmo que possa ser uma réplica nossa de personalidade.
Mesmo que seja uma extensão da nossa pele, como será o olhar de alguém que ainda não vimos?
Escolhemos um nome para lhe definir já os primeiros traços e pelo bater da barriga e os braços no ar, achamos que vai ser uma agitadora de pessoas e ideias.
Como é que se afirmará perante os outros?
Que importância terá para ela o amor pelos outros?
Não a vejo bem ainda.
Porque ainda está a crescer.
Para já fiz a única escolha que podia ter feito por ela.
É a Maria do Carmo.
O resto será tudo o que a liberdade dela lhe permitir ser.
E isso ainda me faz amá-la mais.
Não saber quem será a minha Maria.

Mas calcular um pouco…


Enquanto lia um guião sobre Newton e a lei da atração dos corpos, e  que quanto mais perto estão, mais a probabilidade da atração é forte, perguntei se isso explica que quando nos aproximamos de alguém é por uma questão científica e não mágica.

Ou a magia afinal é feita de física, apesar de dizermos sempre que o que nos liga ao outro é a química que sentimos num instante?

E se afinal o amor for científico, isso fortalecerá as nossas escolhas?


fevereiro 10, 2016


Tive sim, uns quantos amores.
Vivi sim, alguns arrebatadores e outros senti-os como mentira.
Apaixonei-me sim e fiz sempre o que quis na altura que quis.
Errei sim.
E acertei tanto.
Tive sim, todos os desejos do mundo.
Vivi-os na medida que achei serem os certos.
Mas também vivi os desejos errados.
Desisti muito.
E sim, empenhei-me outro tanto.
Vivi tudo num sopro.
E causei tempestades.
Colhi ventos e flores.
Espetei farpas e acumulei os meus próprios espinhos.
Tive sim tudo quanto quis.
Sem culpa. Sem medo, ou complexos.
Sim, fui exatamente tudo o que quis ser.

E hoje não seria tão completa se não tivesse vivido tudo!

fevereiro 08, 2016


Acordamos todos os dias juntas.
E à noite ponho músicas a tocar no telefone em cima da barriga, para que ouça tudo.
Durmo de lado porque é como prefere dormir comigo.
No banho deixo a água quentinha bater na barriga e fico parada a olhá-la..
Faço sumo de laranja e como morangos porque sei que adora.
Atravessamos a rua juntas e ela vai sempre uns milímetros à minha frente.
Quando vem o vento tento fechar o casaco para a proteger, mas já não cabe tudo.
Entro no elevador e vejo-a através de mim.
O meu corpo abraça-a dia a noite.
Nas reuniões quando me chama a atenção a dizer que já tem fome, toco-a por cima da minha pele e peço-lhe mais paciência.
Todos os dias amo-a um bocadinho mais e adoro que ela esteja comigo segundo após segundo e é só minha.
O primeiro e grande papel de ser mãe é exatamente este.
Todos os dias lhe dou mais vida e ela não me larga.
Vivemos uma para a outra.
E não há ninguém que mais alguma vez ocupe esta importância no nosso coração.
Ser mãe é um privilégio que só pode ter um toque divino.