junho 27, 2016


Olho para o meu corpo ao espelho e pergunto se será possível sermos a mesma Joana.
A barriga não se perdeu totalmente, mas tem vestígios de um abandono qualquer, como uma bola de futebol que ficou meia vazia, sem alma para se continuar a jogar com ela.
No fundo uma cicatriz que ainda arde e cuja pele, quando toco, está rugosa como uma estrada antiga com raízes das árvores que rasgaram o alcatrão.
Não sinto o fundo da barriga, é como se parte de mim estivesse adormecida.
Tenho vontade de chorar quando vejo a minha barriga porque sinto-me assaltada...
A Maria do Carmo dorme aqui ao lado, mas já não mexe aqui dentro.
Foi o primeiro passo para a independência da minha filha...
Marcam-me umas olheiras pesadas das noites que não são mais minhas e a pele está mais branca do que os meus longos invernos.
A maternidade é a dimensão mais preciosa que uma mulher pode ter e o amor que se sente por um filho é tão sublime que nos invade às lágrimas.
Mas há uma destruição qualquer daquilo que já fomos e que parece que não volta mais a ser igual.

junho 23, 2016


Às vezes olho para ela com uma sensação de incapacidade absoluta de a proteger do mundo e quase que me apetece pedir desculpa por isso e fugir.
As horas de privação de sono e o choro raro dela, mas que ainda não consigo descodificar, fazem-me chorar quando a tenho nos braços e sinto que não tenho capacidade para mais.
A vida tomou uma dimensão enorme.
Primeiro veio a montanha russa da mudança e depois os pequenos momentos em que já começo a saborear os silêncios com ela.
Ela chegou.
Poucos dias depois a minha avó, em quem me inspirei para lhe escolher o nome, partiu.
Tudo acontece a mil à hora.
E nada. Nada na vida é ao acaso.
A vida ganhou uma forma até aqui inigualável, mas para isso foi também preciso perder.
A Maria do Carmo nasceu e há já uma força nela igual à lei da natureza.

junho 01, 2016


Lá fora amanhece.
Bebo um capo de leite frio enquanto vejo a noite partir e a dar início a um novo ciclo, um novo dia.
Vim do hospital há umas horas sem a certeza se não ficaria já lá, porque o meu corpo resolveu dar alertas de cansaço.
A Maria do Carmo deveria nascer algures a meio de Junho, mas parece que tudo pode  acontecer a qualquer instante. E não é porque ela quer, mas porque o meu corpo parece que está a dizer que chegou ao limite.
E essa é a parte que nunca queremos ouvir.
A parte que não somos imortais e não controlamos as horas todas da vida.
Andamos sempre a viver como super heróis, no fio da navalha, com medo de ouvir os sinais que vêm de dentro.
Há um sinal a que agora me agarro mais do que nunca porque me acalma, haja o que houver neste novo dia que começa, também a minha filha decidiu escolher-me nesta altura e neste contexto e por isso temos de dar certo.
Não sei quando chegará ao certo ao meu colo, nem se vai caber ou nadar nas roupas que comprei com tanto amor, não sei se o meu cheiro a vai acalmar, ou se vai reconhecer as canções que ponho para ela ouvir agora, não sei se saberei parar o choro dela. Mas sei que ela me escolheu.
Assim. Tudo. Tal e qual aconteceu.
E se ela me provou que está completamente agarrada à vida, eu devo-lhe isso agora também.
Estou com medo do nascer desta manhã, mas se ela aguentou esta cruzada de me acompanhar, não posso eu falhar e não estar à altura.
A manhã começou...
Posso lá eu agora parar.