outubro 31, 2014


Encontramo-nos todos em casa de uma das amigas para jantar.
Uma delas precisava de colo e esta desesperada.
Abrimos tantas garrafas quanto o número de amigos que temos à mesa.
Fazemos um balanço da vida e percebemos que estamos quase todos sozinhos porque quisemos apostar tudo. E alguns de nós perdemos tudo também.
Passam as horas por nós e falamos dos namorados e do que vivemos.
Falamos das asneiras que fizemos juntos e dos segredos que partilhámos.
Falamos de clínicas para termos filhos de pais desconhecidos e de mais uns amigos estranhos que se juntam ao jantar e por quem talvez nos pudessemos apaixonar se não estivessemos todos magoados.
Ensaiamos passes de boxe e sabemos todos que estamos a passar por processos de dor diferentes.
Rapazes e raparigas. Quase todos em processo de separação.
Uns já estão prontos para seguir em frente. Outros não.
Falam todos ao mesmo tempo e olho para os meus amigos e penso que estamos todos no mesmo barco. Ou a afundar, ou a recomeçar a vida toda.
Temos todos mais de 35 e só uma tem filhos.
Estamos sem nada.
Dispostos a jogar tudo e sofremos porque fazemos todos desporto a mais para deixar de sentir a dor que a alma transporta.
Bebemos porque isso permite-nos ser mais efusivos e depois mais calmos e melancólicos .
Abraço-os a todos e um deles diz-me aquilo que acho da vida, sobre mim, sobre todos;
"Karma is a bitch".
E ele tem razão, o meu tempo de ser amada acabou.


outubro 13, 2014


Uma amiga minha de há anos casou.
Ao chegar a hora do almoço e porque era uma das madrinhas, dei por mim rodeada por gente que nunca tinha visto, numa mesa cheia de casais, quase todos se conheciam.
E eu. Apenas eu.
Ao meu lado sentou-se uma criança e fingi que não a vi.
Quis imenso fugir dali naquele momento, não tinha um par, ninguém ao meu lado, nem com quem falar.
Estava numa festa de homenagem ao amor e o amor tem-me traído quase todos os dias.
Amarga, triste e infantil continuei a fingir que não a via.
Foi-me sorrindo e disse algumas palavras.
Deixou cair o guardanapo e fez-me apanhá-lo.
Agradeceu com um grande sorriso e fez uma pose como se lhe tirasse uma fotografia com o meu olhar.
Forcei a conversa a pensar que não quero que a crianças gostem de mim.
"Quantos anos tens?".
Esticou 4 dedos e olhou para eles como se tudo o que fizesse fosse mágico.
E voltou a sorrir-me.
Não falámos muito mas acabei a dar-lhe o jantar.
E a correr de mão dada com ela quando me disse: "olha, quero ir embora daqui".
A Beatriz conquistou-me, apenas com 4 anos, mesmo depois de eu ter feito tudo para não a ver.
Porque é assim que ando na vida, não vejo ninguém e estou cheia de mágoas.
Nem a Beatriz, nem pessoa nenhuma me pode resgatar se eu não deixar.
E eu até quero ser resgatada, mas está tão difícil de acreditar em alguma coisa...
Mas há qualquer coisa que me enche o peito de ar quando encontro estas pessoas pequeninas na vida e sei que quero tanto ser encontrada...
Por um grande amor.
Por um filho.
Por mim própria...

outubro 05, 2014



Chego a casa e não estás.
A televisão é que me faz companhia enquanto a noite entra por entre as janelas.
Leio as revistas do mundo e não tenho com quem as partilhar, porque não há cá ninguém.
O tempo corre, às vezes depressa demais, outras parado e faz doer tudo.
As estações do ano estão a passar todas por nós e não te vejo.
Deixei de saber de ti e do teu lado angustiado e negro com a vida.
Deixei de ter onde deitar o colo quando o pensamento me assombra.
Já não gosto de chegar a esta casa que sempre foi a minha porque ela relembra-te com um eco de alguém morto mas que fica em alma.
A minha casa já não me abriga. Causa-me medo porque tem sombras do passado.
Não durmo mais de janelas abertas porque ganhei medo da vida. E do escuro.
Não me suporto no meu silêncio lento e arrastado de quem não vê fim à vista, ou terra, ou porto de abrigo.
Há apenas um túnel negro que teima em não me dar a luz da solução final.
Não aparece ninguém.
Não vem ninguém.
Fico só eu. Tão só.
E o medo gela-me...
Ao adormecer ouvia sempre "estou aqui, eu estou aqui" e eu adormecia embalada na segurança de que era verdade.
Na segurança de quem sente que não é abandonada.
Mas um dia acordei, depois de uma imensa dor e vi que estava sozinha.
Que tinha estado sempre assim.
E que não vinha ninguém atrás...
Mais ninguém....
Talvez nunca mais...