dezembro 28, 2015



Fui ver um filme sobre a velhice.
Apesar do nome ser Youth.
O filme é sobre o que fica do que se viveu quando podíamos viver tudo.
Mas o filme é também sobre o fim das coisas.
A velhice é o fim das coisas.
E ela assombra-me cedo demais quando olho para os meus avós e já não gosto de os ver.
Porque me vejo daqui a um tempo também.
Youth é um daqueles filmes que nos faz ter a sensação que por mais que se viva numa montanha russa, um dia pagamos o preço dela.
E passamos por isso sempre sozinhos.
E é tão decadente.
Como o corpo quando deixa de ser firme e já não se assemelha ao de uma estátua grega.
Ou quando saíamos de uma vida e entravamos noutra porque não tínhamos medo de nada.
A vida vale a pena se for o somatório das paixões que não quisemos deixar de viver.
E dos sonhos que não quisemos deixar de acreditar em cumprir.
A vida sabe melhor se for mais perversa.
E a que causar mais danos.
Mas tem sempre o preço de não poder ser assim eternamente.
Porque o corpo cai.
Como a força da alma.
Como a memória quando entra em blackout. Como a da minha avó.
A minha vida tem sido como esta música.
Mas e quando o corpo parar?
O que será do coração?
E terei memória para ao menos poder recordar?
Como é que eu posso dizer que não quero estar com os meus avós sem que isso os vá magoar?
E quando deixa de ser arrebatador? Continua a valer a pena?
Eu não quero que os meus avós me recordem do que seremos todos um dia...

dezembro 18, 2015


Ligo ao Afonso que hoje faz 10 anos.
É filho de uma das minhas grandes amigas.
Comento com ele que 10 anos é uma idade de viragem, de responsabilidade.
Na verdade queria dar-lhe a ideia que é quase adulto.
Mas o Afonso ainda foi mais longe:
- Pois é, eu sei. A partir de agora tenho 2 algarismos na minha idade, o que significa que nunca chegarei aos 3.
E pronto, percebi que o Afonso já não era criança.

dezembro 16, 2015



Recebi este vídeo num press release de trabalho, sobre grandes ações publicitárias.
E durante alguns minutos não consegui parar de chorar porque há coisas que nos ferem mais, outras que nos tocam mais, outras que são o espelho de qualquer coisa que pertence à nossa essência.
Este vídeo fez-me vir escrever porque ajuda a sentir menos dor.
Estou grávida.
Aconteceu há pouco mais de 3 meses e eu não estava à espera.
Tentei muitas veze ser mãe, mas sempre que o quis, quis sozinha e por isso não deu certo.
É justo.
Quis muito casar por duas vezes na minha vida.
Também quis sozinha.
E por isso não aconteceu.
É justo.
Hoje tenho a crescer dentro de mim uma menina.
Ninguém imagina o que eu queria uma menina.
A pessoa de quem estou grávida sempre quis muito tudo de mim.
Então é justo e merecido que esta menina venha aí.
Ao ver este vídeo percebi que alguém sabia explicar os meus maiores receios.
Porque eu vivi algumas destas coisas.
Muitas vezes no meu percurso de menina, fui mal tratada.
Algumas vezes no meu percurso de mulher, fui mal tratada.
Sofri na pele a condição de se ser mulher numa sociedade machista, onde a mulher é sempre a culpada por ter sofrido abusos.
Nos momentos mais violentos da minha vida ninguém me veio salvar.
Estive sozinha e tive de me defender sozinha.
Nos piores momentos da minha vida não pude pedir por socorro, vivi tudo num silêncio que achei não ter fim.
Hoje, com uma bebé a crescer dentro de mim, e depois de tudo o que vivi, morro de medo de não estar lá no dia em que alguém magoe a minha filha.
E isso vai certamente acontecer, porque nunca podemos proteger para sempre alguém.
Mas sei que serei uma mulher muito mais atenta do que a maioria, porque já vivi o que muitas felizmente não passaram.
Tenho a crescer dentro de mim uma menina.
Será eventualmente ofendida sim. E olhada como alvo de desejos errados, sim.
E será invejada e talvez a magoem.
Mas enquanto eu estiver cá, vai ser muito duro para quem se meter com ela.
E isso eu prometo-lhe.
Não deveria ter sido este o meu texto encantado a anunciar que vou ser mãe.
Mas foi o mais sentido de todos.
Estou grávida sim.
É uma menina.
É a minha.
E enquanto a vi através da última ecografia manteve sempre um braço no ar, parecia que ia para a frente da batalha.
A minha menina vai ser uma mulher. 
E vai adorar, porque é o caminho mais difícil, mas o mais triunfante.

dezembro 02, 2015



"Se não estás a falhar uma e outra vez é porque não estás a fazer nada muito inovador"

Woody Allen

dezembro 01, 2015



Os meus avós voltaram à fase em que se tornaram crianças.
Falam do mundo deles e geralmente não acompanham mais o nosso.
Comportam-se à mesa como se nunca tivessem aprendido regras de boa educação, deixaram a faca e substituíram-na pelo pão e sorvem os alimentos como se fossem todos escorregar dos talheres.
Ouvem a televisão muito alto e não se ouvem entre si.
Falam pouco porque na verdade parece que vivem cada vez mais num mundo isolado onde o convívio é com personagens de um passado remoto.
Os meus avós levam demasiado tempo para percorrer uma rua e cansam-me de tão devagar que andam.
Os meus avós foram durante anos os meus pais, ficando responsáveis por mim todos os dias.
Tomaram conta de mim enquanto aprendia a comer, o caminho da escola, a decorar as primeiras informações da História de Portugal, trataram da minha roupa e dos pães de leite torrados ao pequeno-almoço.
Mas eu não sei cuidar dos meus avós como eles cuidaram de mim porque eu estava a começar a vida e eles estão a acabar.
Pela primeira vez este ano pensei em fugir e ir passar o natal a um hotel, numa cidade distante, só para não me lembrar que este pode ser sempre o último ano que os vou ver.
Ontem, sentada com eles no sofá às 19h, já com os dois de pijama, o avô quase que adivinhou:
- Este ano vais passear se calhar?
E de repente senti-me a maior cobarde de sempre.
- Claro que não avô, vai ser tudo igual como foi sempre, é tudo lá em casa.
Ainda assim, este anúncio bateu-me fundo.

Porque eu ando a fugir dos meus avós.