outubro 18, 2013


Nas manhãs que ainda gelavam o nariz quando áamos à janela, já ela andava no campo desde madrugada.
A cozinha era aquecida pelo fogão a lenha, já tão negro de ter aquecido tantas mãos e tachos.
Sentava-me sempre numa mesa pequena com toalha de plástico ressequido e pegajoso e ficava a olhar à volta o verde ainda encolhido pela geada.
Havia uma taça castanha muito velha e já estalada, parada na mesa a marcar o meu lugar.
Usava-a sempre para misturar a cevada embebida em açúcar e mergulhar o pão com a margarina mais barata.
Fechava os olhos e aquele pequeno-almoço sabia-me pela vida, o melhor do mundo num só paladar, num só trago.
Lambia a boca toda à volta para apanhar o resto de cevada caida quase até às bochechas.
Vestia-me à pressa, sem banho tomado, e calçava as galochas.
E lá ia eu até ao cimo das escadas de mármore e gritava bem alto:
"Avoooooó Né?".
Ela gritava-me de volta no seu habitual cumprimento matinal.
"UUUUhhhhhhhhhhhhhh".
E eu seguia-a até ao rasto da sua voz e com o coração já tão cheio.

Hoje ao beber um café aguado no meio do meu trabalho e ao olhar pela janela para o céu frio e cinzento, procurei-a.
Não sei se anda lá por fora a cuidar dos animais e das plantas ou se agora anda mais perto de mim, mas senti saudades dela.
A minha avó era feita de aço, sem fraquezas, sem grandes afetos, nem choros, lutava ao frio e à chuva e à esturra do sol, por ela e pela família, era uma sobrevivente, sem ganâncias ou deslumbramentos pelo material, nem pelos outros.
A avó que hoje  me falta, ensinou-me que só deixamos de batalhar no dia em que o coração decidir parar de repente...como o dela.
Mas há qualquer coisa aqui dentro que quando bate com mais garra é dela que vem.
É ela.

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