Os meus avós voltaram à fase em que se tornaram crianças.
Falam do mundo deles e geralmente não acompanham mais o
nosso.
Comportam-se à mesa como se nunca tivessem aprendido regras
de boa educação, deixaram a faca e substituíram-na pelo pão e sorvem os
alimentos como se fossem todos escorregar dos talheres.
Ouvem a televisão muito alto e não se ouvem entre si.
Falam pouco porque na verdade parece que vivem cada vez mais
num mundo isolado onde o convívio é com personagens de um passado remoto.
Os meus avós levam demasiado tempo para percorrer uma rua e
cansam-me de tão devagar que andam.
Os meus avós foram durante anos os meus pais, ficando
responsáveis por mim todos os dias.
Tomaram conta de mim enquanto aprendia a comer, o caminho da
escola, a decorar as primeiras informações da História de Portugal, trataram da
minha roupa e dos pães de leite torrados ao pequeno-almoço.
Mas eu não sei cuidar dos meus avós como eles cuidaram de
mim porque eu estava a começar a vida e eles estão a acabar.
Pela primeira vez este ano pensei em fugir e ir passar o
natal a um hotel, numa cidade distante, só para não me lembrar que este pode ser
sempre o último ano que os vou ver.
Ontem, sentada com eles no sofá às 19h, já com os dois de
pijama, o avô quase que adivinhou:
- Este ano vais passear se calhar?
E de repente senti-me a maior cobarde de sempre.
- Claro que não avô, vai ser tudo igual como foi sempre, é
tudo lá em casa.
Ainda assim, este anúncio bateu-me fundo.
Porque eu ando a fugir dos meus avós.
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