Deito-me no sofá já a tarde cai.
Janelas abertas e um olhar perdido entre as paredes vermelhas e a varanda que não me traz uma brisa.
Rodo os olhos, como nas aulas de yoga, e asseguro-me que as minhas andorinhas continuam por cima de mim, na parede principal.
Percorro o olhar por tudo o que fui construindo com o tempo: os cd's de jazz e bossa nova, as fotografias a preto e a branco, os quadros regateados no Marais, as cortinas que precisaram de bainha, os móveis comprados em parcelas, as plantas...
Construí tudo devagar e praticamente sozinha, pela minha vontade, esforço e perseverança.
Aquele é o meu lugar onde ninguém entra para me roubar espaço nem sufocar, o meu porto seguro, onde ninguém se atreve a entrar se não me quiser bem.
Os budas e as velas circulam livremente no chão, acabando por reservarem lugares próprios de meditação.
Tudo o que consegui refletir de mim, do que acredito e do que amo está ali todos os dias comigo. E eu gosto de quem sou, assim como sou.
Passo os programas sem ouvir o conteúdo de cada um, quando a minha cabeça se afunda em pensamentos, não tem lugar para ouvir mais nada.
Não tenho medo do meu silêncio, nem de deixar que as horas me atropelem no sofá.
Medo tenho do que não comando e do que não escolhi.
Perdida em pensamentos no meu sofá, num fim de tarde de domingo em que busco a minha harmonia sei que há uma parte de mim que se apagou e me abrandou os ímpetos.
Do que já vivi, criei e destruí, de tudo o fui para chegar aqui, dona completa do meu tempo e de mim, sei que serei sempre uma lutadora, se for preciso andar descalça e voltar a construir um caminho, vou fazê-lo. Se precisar de recomeçar uma casa e as suas memórias, vou fazê-lo.
Se a vida me obrigar a reconstruir-me, eu sei fazê-lo.
Mas será que eu quero passar por tudo isso?
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