março 21, 2012

o meu obituário



Perguntam-me pela manhã o que gostaria eu que escrevessem no meu obituário.
Perguntam-me no começo do meu dia o que quero eu que escrevam no meu fim.
Pergunto-me, eu, todos os dias, que metas ainda não tracei para sentir que não alcancei nada de forte. Eu pergunto sim. Demais. Sem pudor de assumir as minhas fraquezas. Nenhum!
Vejo um vídeo sobre um movimento de salvação de crianças exploradas em África e penso "bolas o que eu queria mudar o mundo de alguém" e nem dois dias depois percebo que o inferno nos vende boas intenções e que isso se chama marketing político.
Vejo Instituições de cara lavada que acolhem crianças mal tratadas e se apresentam como as "novas famílias" e depois saem notícias de abusos sexuais e de maus tratos dentro dessas famílias perfeitas.
Pergunto-me se criei uma ilusão pintada a cor de rosa e se não me sinto preenchida porque criei apenas ilusões de verdades falseadas. E na verdade o que eu acredito não existe.
Mas a verdade falseada vende e é premiada.
"Vês esta senhora aqui? Pertence à lista da Forbes como uma das mais recentes bilionárias. Inventou as calças push-up".
Falta-me uma ideia, eu sei. Talvez porque não saiba mentir sobre a verdade, nem construir verdades pela metade. Erro meu, falta de benefício meu e de criatividade.
O que é que gostaria que escrevessem no fim da minha linha?
Que fui uma mãe maravilhosa e que tive uma vasta família e que isso foi a mais gratificante construção de um império, que espalhei afeto, que a minha mais-valia foi a transparência nunca deslumbrada ao poder ou ao dinheiro, que aquilo que me destacou dos outros foi saber alcançar metas pelo coração e levar os outros a um caminho mais feliz. Mas isso não me fará sair na Forbes, nem me tornará famosa, nem me dignifica socialmente, nem é uma profissão e é talvez pouco.
E o tempo foi-me passando, fugindo e nenhuma destas metas foi cumprida na verdade. E a família vasta nunca existirá a não ser que adote outra que não minha e ninguém faz carreira com o coração.
E por isso... teria talvez que nascer noutro corpo, noutra cabeça para ser o orgulho de alguém e sair numa página de um jornal, ou revista e vender as minhas ideias ao mundo.
Teria de falsear a verdade para ser aclamada no meu obituário.
Então não escrevam nada sobre mim.
Obrigada.

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