dezembro 19, 2012

os pais deviam fazer testes psicotécnicos, antes de serem nossos


Falhou-me o presente de Natal que tinha para lhe dar.
Ou talvez não o tenha procurado o tempo suficiente.
Almoçamos sempre todas as semanas, quase sempre à quarta.
Hoje almoçámos também.
E foi já o almoço de Natal e o de despedida do ano.
Justifiquei-me atrapalhada pela ausência do presente. Nem aos manos dei nada.
E ele, a mim, disse que queria comprar algo, mas que também não calhou. Esticou a mão, deu-me dinheiro. Eu guardei sem ver.
Falámos das notícias do país, da escola dos irmãos. Os irmãos, as notícias do país.
Eu não falo de mim.
Ele não fala dele.
Temos um rio que corre bravo entre nós e que tem dor e mágoa e lágrimas de um passado arrancado sem permissão para se reconstruir.
Olhei-o de relance a pensar que lhe devia contar alguma coisa de mim, mas perdi a coragem. Eu perco sempre a coragem.
Dizer quem sou obriga-me a ter coragem?
Mas eu não tenho vergonha de mim. Ou tenho? Ou será a culpa?
Parou o carro em frente ao meu trabalho, como o faz todas as quartas.
Forcei o sorriso de euforia e de quem é desligada dos afetos.
Não o olhei nos olhos.
E enquanto deslizei pelo banco para me erguer de pé na estrada disse mais uma vez, como em tantos anos o aprendi a fazer...
"Adeus pai".

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