Há um código genético que me desenha como uma peça certa, sem desvios, ou mutações e me define em linhas e curvas previstas, sem interrupções, apesar de ser inconsequente.
Um código que dita desde os primeiros passos, o sentido do caminho, regido pelo curiosidade do que não se viveu ainda.
Há um código genético que me define como uma assinatura fixa que vinca o papel.
É um código que é meu e que não assimila muito as regras alheias.
Um código genético que me define as decisões e as vivências e que não consegue importar-se com a moral dos outros.
No meu código genético está a vontade que me rege a vida e que não abandono em prol de ninguém.
Imperfeita, mas fiel ao que busco, o meu código genético não me admite que seja de outra forma.
agosto 09, 2013
agosto 08, 2013
"Olha, eu sei que o barco tá furado e sei que você também sabe, mas queria te dizer pra não parar de remar, porque te ver remando me dá vontade de não querer parar também.Tá me entendendo? Eu sei que sim. Eu entro nesse barco, é só me pedir. Nem precisa de jeito certo, só dizer e eu vou. Faz tempo que quero ingressar nessa viagem, mas pra isso preciso saber se você vai também. Porque sozinha, não vou. Não tem como remar sozinha, eu ficaria girando em torno de mim mesma. Mas olha, eu só entro nesse barco se você prometer remar também! Eu abandono tudo, história, passado, cicatrizes. Mudo o visual, deixo o cabelo crescer, começo a come...r direito, vou todo dia pra academia. Mas você tem que prometer que vai remar também, com vontade! Eu começo a ler sobre política, futebol, ficção científica. Aprendo a pescar, se precisar. Mas você tem que remar também. Eu desisto fácil, você sabe. E talvez essa viagem não dure mais do que alguns minutos, mas eu entro nesse barco, é só me pedir. Perco o medo de dirigir só pra atravessar o mundo pra te ver todo dia. Mas você tem que me prometer que vai remar junto comigo. Mesmo se esse barco estiver furado eu vou, basta me pedir. Mas a gente tem que afundar junto e descobrir que é possível nadar junto. Eu te ensino a nadar, juro! Mas você tem que me prometer que vai tentar, que vai se esforçar, que vai remar enquanto for preciso, enquanto tiver forças! Você tem que me prometer que essa viagem não vai ser a toa, que vale a pena. Que por você vale a pena. Que por nós vale a pena. Remar. Re-amar. Amar". Caio Fernando de Abreu
agosto 07, 2013
agosto 02, 2013
julho 05, 2013
aqui a pensar que...
Quando passamos muito tempo a ouvir uma verdade, mas ela não acontece, essa verdade passa a ser metade mentira.
julho 03, 2013
os heróis existem
Almoçamos quase todas as semanas como um ritual imposto, já não sei bem por qual de nós, mas talvez por mim e pela minha própria carência de o ver.
Passei parte da vida a cobrar mais tempo de qualidade, mais atenção, mais, sempre melhor e sempre me senti no direito de pedir sem observar se era preciso eu dar alguma coisa no retorno de tantos pedidos.
Cresci com a ideia que a ameaça do exterior não abranda o coração de um lutador e cada vez que me senti em risco de quebrar inspirei-me nele e na sua bravura meia heróica de quem não sente dor a nada do que verdadeiramente dói.
Uma vez, durante as nossas férias de verão, lembro-me que chegou tarde e anunciou que se tinha despedido da empresa onde trabalhava e sorriu, estava em paz.
Perguntei aterrada "e agora?".
E respondeu-me como sempre o vi: "agora começo do zero num lugar qualquer. Eu não tenho medo de trabalhar".
E eu ouvia estas coisas e sabia que tudo ia correr bem porque sempre foi assim, um bravo.
Hoje, volvidos anos e anos e diante de um país miserável que brinca aos politiquinhos sem espinha nem carácter, sento-me mais uma vez diante dele e ouço o mesmo: "vou fechar a empresa".
Perguntei novamente aterrada "e agora?".
E desta vez alguma coisa mudou nele: "vou bater à porta da Santa Casa e se for preciso peço ajuda para comer".
Os heróis não são frágeis.
Foi ele que me ensinou.
E ele é um herói.
E hoje quebrou.
Porque é mais velho, porque a idade amolece os músculos e o coração e a crença verga diante de um mundo que já não é o que construímos para nós e para os nossos filhos.
Não consegui chorar, nem ter um gesto de carinho. Não consegui nada, porque os heróis não sentem dor.
A pessoa que me ensinou estes anos todos a lutar para ser heróica também, hoje não o conseguiu ser. POrque nem sempre o podemos ser, não tem mal.
Mas mesmo que feche a empresa, mesmo que vá bater à porta de alguém a pedir ajuda, mesmo que deixe de poder ajudar os filhos, mesmo que perca tudo o que é material...
Mesmo assim.
O meu pai é um herói.
E se os heróis existem, só temos que os relembrar quem são e porque o são...
Porque são bravos por dentro, mesmo que doa, avançam porque a única coisa que não perdem é a dignidade.
Passei parte da vida a cobrar mais tempo de qualidade, mais atenção, mais, sempre melhor e sempre me senti no direito de pedir sem observar se era preciso eu dar alguma coisa no retorno de tantos pedidos.
Cresci com a ideia que a ameaça do exterior não abranda o coração de um lutador e cada vez que me senti em risco de quebrar inspirei-me nele e na sua bravura meia heróica de quem não sente dor a nada do que verdadeiramente dói.
Uma vez, durante as nossas férias de verão, lembro-me que chegou tarde e anunciou que se tinha despedido da empresa onde trabalhava e sorriu, estava em paz.
Perguntei aterrada "e agora?".
E respondeu-me como sempre o vi: "agora começo do zero num lugar qualquer. Eu não tenho medo de trabalhar".
E eu ouvia estas coisas e sabia que tudo ia correr bem porque sempre foi assim, um bravo.
Hoje, volvidos anos e anos e diante de um país miserável que brinca aos politiquinhos sem espinha nem carácter, sento-me mais uma vez diante dele e ouço o mesmo: "vou fechar a empresa".
Perguntei novamente aterrada "e agora?".
E desta vez alguma coisa mudou nele: "vou bater à porta da Santa Casa e se for preciso peço ajuda para comer".
Os heróis não são frágeis.
Foi ele que me ensinou.
E ele é um herói.
E hoje quebrou.
Porque é mais velho, porque a idade amolece os músculos e o coração e a crença verga diante de um mundo que já não é o que construímos para nós e para os nossos filhos.
Não consegui chorar, nem ter um gesto de carinho. Não consegui nada, porque os heróis não sentem dor.
A pessoa que me ensinou estes anos todos a lutar para ser heróica também, hoje não o conseguiu ser. POrque nem sempre o podemos ser, não tem mal.
Mas mesmo que feche a empresa, mesmo que vá bater à porta de alguém a pedir ajuda, mesmo que deixe de poder ajudar os filhos, mesmo que perca tudo o que é material...
Mesmo assim.
O meu pai é um herói.
E se os heróis existem, só temos que os relembrar quem são e porque o são...
Porque são bravos por dentro, mesmo que doa, avançam porque a única coisa que não perdem é a dignidade.
maio 14, 2013
quase
Tive quase tudo.
Tive quase o casamento que quis.
E a casa quase com vista total para o mar.
Fui quase a mulher perfeita e feliz.
Tive quase sempre quem me fizesse os jantares e os pequenos-almoços.
Fui quase mãe.
Fui quase sempre a mais feliz.
Quase sempre a mais fugaz.
Quis quase tudo e o tudo que quis foi-me chegando às mãos como se os desejos fossem promessas de um futuro ainda melhor.
Amei quase tudo o que me foi possível amar.
Quase morri de amor.
Quase renasci quando o amor voltou.
Quase sempre fugi no meio dos processos de amor.
Quase sempre me desiludi.
Quase que tive pressa a mais.
Quase parei tudo num só momento.
Fui quase tudo o que quis na minha fúria de viver.
Mas até hoje nada passou de ser quase...
Quase é o tudo ou nada que tenho para perder.
Ou ganhar.
Mas e já não me acontecer quase nada?
maio 03, 2013
A fórmula perfeita para a estúpidez
Há pessoas à nossa volta que são ótimas para espalhar informações.
Exatamente aquele tipo de informação que queremos que todos saibam.
E são sempre aquelas pessoas a quem pedimos para não comentar nada, porque é segredo.
abril 09, 2013
abril 08, 2013
efeitos secundários de um ginásio
A coisa mais arrepiante do meu dia é ver, por todo o lado para onde me viro, uma imensão de mulheres nuas e ouvi-las tão frenéticas e disformes que se confunde na perfeição com uma capoeira sem galo.
abril 06, 2013
Inventem-se novas histórias
Inventem novas histórias para crianças, mas não passem a vida a fechar os livros e a dizer que "foram felizes para sempre".
Porque o amor é uma bolsa que vamos enchendo com as nossas próprias expetativas.
O amor é a bolsa dos desejos que nós temos para nós. Não é o que nos querem dar. Não é troca de afetos, apenas de expetativas.
O amor é a mais perigosa das miragens e ninguém nos avisou enquanto nos liam, ao adormecer, as histórias de encantar.
abril 01, 2013
Podia dizer-te que é mentira e que nunca quis que desses certo na minha vida.
E dizer-te que tudo o que vem a seguir é sempre para melhor, mesmo que seja a solidão.
Posso dizer-te que já passou e que aceito tudo o que a vida me dá como uma evolução para ser uma melhor mulher.
Talvez te consiga ainda dizer que as coisas são assim porque é como têm de ser e remato estes clichés com um sorriso de quem já cresceu muito mais com o sofrimento.
Hoje posso dizer-te que tudo o que se perde é porque não nos pertencia.
E posso contar-te que hoje estou muito mais feliz.
Posso dizer-te que não foi em vão que parti porque consegui encontrar as minhas metas.
Hoje, dia 1 de Abril, posso-te dizer tudo como eu quiser.
março 25, 2013
vender a alma ao diabo
Posso lá dar o coração e alma sem receber quase o mesmo em troca...
Posso lá ser mãe dos filhos que não tenho.
Posso lá entender o passado se não o vivi nem quero fazer parte dele.
Posso lá eu viver para os outros se não escolhi que metade deles fizessem parte de mim.
Eu posso lá ser outra pessoa se não escolhi aquilo que tenho, como tenho...
Aquilo que carrego e que não é meu e que devia estar a viver pela primeira vez... posso lá ser deles se eles não me pertencem.
março 20, 2013
a fé que é social
É vê-los todos a ir para as jornadas de boas vindas ao novo Papa e a ter muitas convicções morais e católicas.
E depois não sabem quem são como pessoas individuais, mas movem-se em rebanhos porque consideram que isso lhes molda o caracter e a posição no mundo e na sociedade burguesa onde habitam.
E eu gosto deste Papa.
E respeito a fé de cada um.
Mas a falta de sentido crítico e de reflexão interior assusta-me, principalmente quando são estas pessoas que representam as novas gerações que vão conduzir o mundo.
E depois não sabem quem são como pessoas individuais, mas movem-se em rebanhos porque consideram que isso lhes molda o caracter e a posição no mundo e na sociedade burguesa onde habitam.
E eu gosto deste Papa.
E respeito a fé de cada um.
Mas a falta de sentido crítico e de reflexão interior assusta-me, principalmente quando são estas pessoas que representam as novas gerações que vão conduzir o mundo.
fevereiro 11, 2013
no segundo em que o presente é tarde demais
No dia 4 de Outubro de 2011 escrevi aquilo que era o mais seguro a que me podia agarrar, escrevi quem era e o meu feeling daquilo que estava a viver.
Hoje volto a reiterar quem sou, não falhei em nada.
O meu coração já partiu, eu vou atrás dele.
Há um dia em que acordamos com decisões tomadas.
Sem avisos prévios e sem despedidas anunciadas.
O dia em que acordamos e encerramos o ciclo.
O dia em que decidimos que acabaram as cenas de bastidores, sempre atrás da história real e escondidos dos olhares públicos.
Há um segundo que nos atravessa e molda o pensamento e segue o destino.
O segundo em que seguimos um caminho e deixamos outro.
É no dia em que deixamos de permitir ser a sombra de alguém.
No dia em que já partimos, alguém se lembrará da saudade que a partida causa.
É. No segundo em que o presente se tornou tarde demais.
O dia da decisão é quando não o planeámos sequer.
Hoje volto a reiterar quem sou, não falhei em nada.
O meu coração já partiu, eu vou atrás dele.
Há um dia em que acordamos com decisões tomadas.
Sem avisos prévios e sem despedidas anunciadas.
O dia em que acordamos e encerramos o ciclo.
O dia em que decidimos que acabaram as cenas de bastidores, sempre atrás da história real e escondidos dos olhares públicos.
Há um segundo que nos atravessa e molda o pensamento e segue o destino.
O segundo em que seguimos um caminho e deixamos outro.
É no dia em que deixamos de permitir ser a sombra de alguém.
No dia em que já partimos, alguém se lembrará da saudade que a partida causa.
É. No segundo em que o presente se tornou tarde demais.
O dia da decisão é quando não o planeámos sequer.
fevereiro 05, 2013
zona de conforto
“O mal não é voltar atrás das decisões, é não ter tentado tomá-las.
Se não conseguirem… não tem mal, tentaram, mas se não tentarem ir sempre mais longe, nunca vão saber se conseguiriam.
Se não conseguirem, não faz mal, voltem atrás. A sério, sem vergonha.
Pode-se sempre voltar atrás.Por isso tentem sair todos os dias da vossa zona de conforto, sem medo.
Mas se o medo falar mais alto, então fiquem aí na vossa zona de conforto e não tentem mais nada, só não se queixem depois.”
É essencialmente por isto que faço desporto, porque vai para lá do óbvio de um esforço físico, é essencialmente mental, essencialmente uma conversa para mim.
E é bom ouvir aquilo que a cabeça já nos devia dizer todos os dias.
janeiro 14, 2013
Com a idade e com o tempo que passa, aprendemos que tudo tem uma razão de ser.
Deixamos arrefecer o sangue que nos corre e medimos o pulso aos outros, para saber se vale a pena lutar por eles, ou deixá-los cair.
Percebemos que a inveja fará sempre parte da relação humana dos mais fracos e que o mundo nunca gostará por inteiro de nós.
Começamos na escola com o miúdo que nos magoa sem critério, ou no primeiro assalto quando acabámos de receber o relógio novo que custou a comprar.
A vida é mesmo assim, prepara-nos apenas para sermos os mais fortes.
Depois crescemos e a pequenez dos outros é mais refinada porque se criam filtros e perde-se a coragem de se ser frontal.
Tornamo-nos completamente autónomos da defesa dos mais velhos, dos que supostamente no início nos protegiam e seguimos por nós, sujeitos aos tropeções dos fracos que serpenteiam aos nossos pés.
Aprendemos a criar defesas e rezamos para não nos transformarmos em seres amorfos que só sabem falar quando não têm espectadores.
Ensinam-nos que temos de saber viver pacificamente em comunidade e acabamos por lidar com um grupo de pessoas que compete por tudo connosco: a inteligência, os sapatos e o casaco, compete com os laços que criamos, com a família e o amor que temos. As pessoas competem sempre connosco por aquilo que não têm.
Passamos a vida a relativizar, já não respondemos “olho por olho, dente por dente” e vamos criando rios que nos separam dos outros, criamos uma imunidade banhada pelas defesas da idade, cada categoria de pessoas assume um lugar.
Aprendemos que a defesa é uma fórmula matemática.
Sempre tive tendência para ser protagonista da vida dos outros, comentam-me como se eu tivesse optado por ser figura pública, ou como se me quisessem despertar a atenção.
Sempre gostaram de falar de mim, de fazer comparações e análises sobre alguém que julgam conhecer. São sempre pessoas a quem damos menos atenção.
Nunca quis apurar os meus filtros.
E sempre escolhi continuar a ser a mesma, sem grandes teias, sem me importar demasiado com a aparência do papel público e com encenações. A vida preparou-me para fazer parte dos mais fortes, mesmo que isso seja polémico, cru.
Os outros? Os que falam? Os que espalham fórmulas morais sobre nós? Esses outros que nos foram ensinando ao longo da vida a sermos os mais fortes?
A esses também devo quem sou.
Deixamos arrefecer o sangue que nos corre e medimos o pulso aos outros, para saber se vale a pena lutar por eles, ou deixá-los cair.
Percebemos que a inveja fará sempre parte da relação humana dos mais fracos e que o mundo nunca gostará por inteiro de nós.
Começamos na escola com o miúdo que nos magoa sem critério, ou no primeiro assalto quando acabámos de receber o relógio novo que custou a comprar.
A vida é mesmo assim, prepara-nos apenas para sermos os mais fortes.
Depois crescemos e a pequenez dos outros é mais refinada porque se criam filtros e perde-se a coragem de se ser frontal.
Tornamo-nos completamente autónomos da defesa dos mais velhos, dos que supostamente no início nos protegiam e seguimos por nós, sujeitos aos tropeções dos fracos que serpenteiam aos nossos pés.
Aprendemos a criar defesas e rezamos para não nos transformarmos em seres amorfos que só sabem falar quando não têm espectadores.
Ensinam-nos que temos de saber viver pacificamente em comunidade e acabamos por lidar com um grupo de pessoas que compete por tudo connosco: a inteligência, os sapatos e o casaco, compete com os laços que criamos, com a família e o amor que temos. As pessoas competem sempre connosco por aquilo que não têm.
Passamos a vida a relativizar, já não respondemos “olho por olho, dente por dente” e vamos criando rios que nos separam dos outros, criamos uma imunidade banhada pelas defesas da idade, cada categoria de pessoas assume um lugar.
Aprendemos que a defesa é uma fórmula matemática.
Sempre tive tendência para ser protagonista da vida dos outros, comentam-me como se eu tivesse optado por ser figura pública, ou como se me quisessem despertar a atenção.
Sempre gostaram de falar de mim, de fazer comparações e análises sobre alguém que julgam conhecer. São sempre pessoas a quem damos menos atenção.
Nunca quis apurar os meus filtros.
E sempre escolhi continuar a ser a mesma, sem grandes teias, sem me importar demasiado com a aparência do papel público e com encenações. A vida preparou-me para fazer parte dos mais fortes, mesmo que isso seja polémico, cru.
Os outros? Os que falam? Os que espalham fórmulas morais sobre nós? Esses outros que nos foram ensinando ao longo da vida a sermos os mais fortes?
A esses também devo quem sou.
dezembro 26, 2012
postais de felicidade
As reuniões para celebrar o Natal são sempre mais que muitas.
Com os amigos, a família afastada, os que não são nada, mas a quem devemos a nossa presença... Brindamos ao Natal uma semana antes e criamos, eu crio, a expetativa da noite em si como se fosse um apogeu de sensações espremidas a um só dia.
A noite da família, onde os presentes foram delegados para segundo plano e os afetos passam a ser a palavra chave para os adultos.
A família... repito eu sozinha dentro da cabeça a cada brinde ou almoço antecipado, a cada encontro marcado.
Chegam-me as fotografias dos bebés dos amigos, como postais perfeitos.
A minha família já se sentou e já se levantou.
A família já saiu.
Véspera de Natal e sento-me no sofá já vazio.
A meia noite ainda vai chegar.
Olho para a sala ainda com luz de velas e aromas de açúcar.
Não se ouve nada para lá da chuva que bate no vidro.
Passo pelos filmes todos e paro no canal das crianças.
Deito-me no sofá porque não quero adormecer cedo demais na cama.
A família... penso.
Viajo pelas pessoas que estão longe e penso se estarão sozinhas, tristes, felizes.
Imagino o ruído que estará na casa dos amigos que têm os bebés dos postais de felicidade.
E chego ao meu sofá, ao meu silêncio.
A família... falta-me qualquer coisa muito minha.
Qualquer coisa que não construí.
Qualquer coisa que ficou tarde para criar.
Qualquer coisa que imaginei nos postais...
dezembro 19, 2012
os pais deviam fazer testes psicotécnicos, antes de serem nossos
Falhou-me o presente de Natal que tinha para lhe dar.
Ou talvez não o tenha procurado o tempo suficiente.
Almoçamos sempre todas as semanas, quase sempre à quarta.
Hoje almoçámos também.
E foi já o almoço de Natal e o de despedida do ano.
Justifiquei-me atrapalhada pela ausência do presente. Nem aos manos dei nada.
E ele, a mim, disse que queria comprar algo, mas que também não calhou. Esticou a mão, deu-me dinheiro. Eu guardei sem ver.
Falámos das notícias do país, da escola dos irmãos. Os irmãos, as notícias do país.
Eu não falo de mim.
Ele não fala dele.
Temos um rio que corre bravo entre nós e que tem dor e mágoa e lágrimas de um passado arrancado sem permissão para se reconstruir.
Olhei-o de relance a pensar que lhe devia contar alguma coisa de mim, mas perdi a coragem. Eu perco sempre a coragem.
Dizer quem sou obriga-me a ter coragem?
Mas eu não tenho vergonha de mim. Ou tenho? Ou será a culpa?
Parou o carro em frente ao meu trabalho, como o faz todas as quartas.
Forcei o sorriso de euforia e de quem é desligada dos afetos.
Não o olhei nos olhos.
E enquanto deslizei pelo banco para me erguer de pé na estrada disse mais uma vez, como em tantos anos o aprendi a fazer...
"Adeus pai".
dezembro 03, 2012
Se a tua mochila não fosse tão pesada.
Se o corpo não te atraiçoasse a vontade de ir mais longe.
Se as mantas não fossem de lã.
Se o espaço que tens me encaixasse nele.
Se o meu mundo fosse mais pesado.
Se o meu faro fosse menos apurado sobre os que te rodeiam.
Se a manhã fosse desejada pelos dois.
Se a nossa vida fosse só nossa.
Se o meu mundo fosse visto pelos binóculos do teu.
Se o medo do escuro não existisse.
Se a maldade dos que já te amaram não nos envenenasse.
Se a tua música ouvisse a minha.
Se desses ambição ao sonho.
Se a água fosse sem gás.
Se o tempo não me precipitasse.
Se o amor não fosse tão cobarde.
Se assim fosse.
Talvez tudo se desse.
Se não houvesse o se.
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