novembro 27, 2014


Os grandes amores começam sempre às escondidas.
Porque surgem de repente quando a vida ainda está por resolver.
São aqueles que não planeamos e nos assaltam num primeiro jantar onde achamos que íamos só falar de trabalho.
São quase sempre amores proibidos e impossíveis.
Marcados à pressa contra todos e debaixo do olhar reprovador das aparências morais.
Os grandes amores deixam uma marca igual à de uma cicatriz. que dói nos dias de frio e de mudança,
Chegam e achamos que é para sempre porque nos fazem doer as entranhas e nos tiram o sono e o apetite.
Eu conheci um grande amor a quem dei tudo o que tinha de melhor.
E criei as maiores expetativas porque o meu amor também era maior.
Escolhemos uma casa e fizemos planos para ser uma família.
Mas o meu grande amor não sentia o mesmo por mim e deixou que o capricho de terceiros decidisse o nosso rumo.
Os grandes amores começam às escondidas porque se calhar não deviam acontecer.
Têm o destino traçado para falhar porque não lhes chega a vontade para vencer.
Porque são de uma família só e não deixam mais ninguém tomar esse lugar.
Os grandes amores têm todos passado e filhos e vida.
Eu escolhi sempre mal os meus amores, porque eles nunca me escolheram a mim,
E eu quero chegar em primeiro lugar.
Eu quero ser encontrada sem ser às escondidas como o grande amor de alguém.


novembro 12, 2014


Hoje enviou uma mensagem inesperada.
"Ligue, estou com os avós".
Prometi que então ligava mal pudesse.
Atendeu prontamente e do lado de lá ouvi "é a mãe?".
Respondeu só que era a Joana como se isso servisse para justificar tudo.
Falei com ele e com a avó.
Matei saudades e fiquei mais em paz comigo por saber que sentem a minha falta.
Dizem que os sogros são para sempre.
E os enteados também.
Não casei, mas em tempos tive um enteado Miguel na minha vida que podia ser meu filho.
Não foi,
Mas gosta de mim.
Só porque sim.
E eu sinto a falta que alguém goste de mim assim...

novembro 09, 2014



A minha avó está doente.
Já não sabe bem tudo da vida e vive num mundo que é só dela.
Tem um olhar ausente de quem já não é de cá.
A minha avó ouve quando falamos dela e finge que não sabe que ela é a protagonista.
Às vezes à noite quer vir para minha casa porque diz que a mãe dela está cá comigo.
O avô não a deixa vir porque ele acha que ela está demente.
Eu acho que ela não está demente em tudo.
Diz coisa certas e faz coisas certas.
Vê o que os meus olhos não alcançam.
A minha avó está de partida e eu sinto isso.
Ainda olha para mim com ar de pena porque acha que merecia encontrar um marido como ela tem o dela.
E eu em dias como hoje gostava de lhe pedir desculpa por ter falhado tanto e ter tido tanto azar.
Mas a avó nunca entenderia que os tempos mudaram e hoje trabalhamos tanto quanto os homens e chegamos a casa e ainda temos que ser donas de casa. E que hoje já não aguentamos ser mal amadas, preferimos a solidão.
Às vezes acho que a avó está à espera que eu me apaixone por alguém que também me ame, para ela poder partir.
Mas como é que vou dizer à avó que se calhar ela já não vai assistir a esse momento.
A minha avó está de partida e eu não vou ter tempo de lhe mostrar que não falhei em tudo na vida.

novembro 05, 2014


Não tem mal.
O passado já foi lá atrás.
Já partiu.
Não o viste a ir?
Não tem mal.
Já foi.
Não é mais nosso.
Acabou sem sabermos porquê...
Não tem mal.
A vida é mesmo assim...

Juntamo-nos no fim do trabalho às escondidas num bar perdido no centro da cidade.
Os bancos são corridos e de madeira.
Encostamo-nos umas às outras embrulhamo-nos em mantas polares enquanto o frio se vai entranhando na pele,
A cidade ficou esquecida lá fora.
Pedimos gin tónico como se bebêssemos água e soltamos conversas num desespero de quem não tem tempo e algo fica sempre esquecido ou por dizer.
Umas têm os maridos a dar banho aos filhos enquanto não chegam para jantar e outras não têm ninguém à espera.
Bebemos e rimos e fazemos brindes.
O mundo parou-nos nas mãos.
Sinto-me chegada a um lugar qualquer em paz.
Nada me espera.
Não há ninguém.
Não vai haver tão depressa a não ser que o mundo me surpreenda.
Mas eu estou em paz assim.
Posso ficar ali a noite toda ou sair para me encontrar num jantar a dois. A mil.
Posso tudo nesta fase da vida.
E apesar de não ter nada, pela primeira vez sinto que vivo bem no meu lugar, sozinha no mundo. Mas tão perto de mim.
Estou sozinha porque fiz escolhas e fechei portas e vivo com isso. Mas estou bem como sou.
Rimos e fazemos brindes.
Ensinam-me técnicas para um jantar brilhante no dia em que queira impressionar alguém.
Registo tudo a sorrir, sem a aflição de não ter mais do que aquilo que sou.
Somos várias mulheres.
Temos vidas muito diferentes e complicadas.
Mas hoje sou feliz por ser só eu.
Dona do meu destino e da minha história de vida. Da minha vontade.
Não há nada à minha espera a não ser o silêncio da casa e o que vem de mim.
Um dia talvez passe e voltem a resgatar-me a gargalhada e o sorriso e a alma.
Mas hoje sei que não sou parte de ninguém, ninguém se orgulha de mim ou me exibe como mulher. e eu já não preciso mais disso. Acabou-se o tempo.
Ninguém me recorda à distância ou me ama em silêncio.
Hoje sou apenas eu por mim.
Na minha conta de que me basto.
Porque a vida já me ensinou que não preciso de ninguém para ser feliz.
Para me encontrar com 6 amigas num bar...
E beber gin tónico e brindar à vida.
A minha vida que seguiu só comigo.
Sem poder contar contar com homem algum.
E não é que eu sou feliz assim?
Talvez seja sinal que algo está então prestes a começar entre mim mesma.