agosto 20, 2014




Há um silêncio que se instala à noite por vezes...
Que me aperta as cordas vocais e contém um choro descompensado que dizem já não ser típico das pessoas adultas como eu sou.
Parece que já sou adulta, a mãe relembrou-me disso numa conversa rápida à tarde numa rua movimentada de Lisboa.
Caiu-me a ficha dos neurónios há uns dias, quando ouvi que acabou o meu tempo de esperar o colo de um pai.
O pai nunca virá. Não conseguiu chegar a tempo. E o nosso tempo já se esgotou.
Já não sou pequenina. Não sou? Mas eu achava que sim...
Chegou a hora de ser eu a cuidadora. De possíveis crianças. Talvez até de crianças que nunca serão as minhas. Chegou a hora de ser a cuidadora dos mais velhinhos que um dia foram os meus cuidadores.
Que palerma que sou. Quase a fazer 35 anos e achava que ia a tempo de encontrar alguém que me protegesse, que não me partilhasse, que não me preterisse a mais amor algum.
Mas é verdade, acabou o meu tempo e não vem mais o príncipe encantado.
Sou a pessoa do segundo plano porque cresci assim. Acabou o tempo de ter tempo de ser o centro do universo para alguém. Acabou um tempo que nunca tive como meu...
Que pena...
Ninguém quer ser cuidador. Não de adultos.
Entendo.
E quem se aproxima não me quer cuidar.


As horas da noite correm lentas e doridas porque há descobertas que já vêm tarde demais na minha consciência.
Talvez esteja a colher as desilusões das coisas que eu própria semeei.
Sou esta pessoa cheia de imperfeições que não sabe escutar a própria consciência à noite.
Sou esta pessoa que não sabe ser feliz com o que oferecem como possível de dar.
Sou esta pessoa que descobriu que se calhar não ama homem algum.
Porque no fim de contas repetem apenas o padrão da ausência e do descuido.
São o espelho do pai que nunca optou por mim.


E agora?
O que faço eu com a noite que me confronta com a verdade e a solidão?





agosto 18, 2014

i'm not giving in.






As minhas melhores aulas de rpm são aquelas que duram mais tempo, as que me espremem até ao tutano.


São as que me movem pela raiva que tenho cá dentro.


São aquelas em que o suor me turva os olhos e a alma cai até aos pedais.


São as que me doem nas pernas e no coração e as que luto até ao fim, enquanto ouço esta música.


As minhas melhores aulas de ginástica são as minhas melhores sessões de terapia em que a única coisa que tem de ficar é a força interior.


As melhores aulas são as da vida, aquelas em que tudo nos foi dado para poder falhar e nós decidimos vencer.


São aquelas em que por mais que se apanhe, o chão não chega para cairmos.


Hoje na minha aula de rpm sofri tanto que acabei num grito de dor.


Ou de libertação.


É que meti na cabeça que quero ser uma vencedora e não vou desistir.


Venham lá tentar convencer-me do contrário!

agosto 11, 2014

adeus.


O último beijo nunca é dado com a consciência que foi o último.
Acontece e só depois sabemos que acabou.
Às vezes passam dias, meses de ilusão e espera.
O beijo final é como uma picada incisiva da serpente, acontece quando não se espera.
O último beijo é quando já não se sente saudades para repetir.
É dado quando a alma já se cansou de dar oportunidades. De esperar.
O último beijo não sente amor.
O beijo do fim é quando já não se anunciou.
O beijo final é o que se imagina, já para não se perder mais tempo a dar.



agosto 10, 2014



Corremos o sul enquanto o sol estava no pico máximo.
Dormíamos nas horas trocadas do dia e fazíamos das noites a nossa confidente.
Adormecemos tantas vezes no sofá, quantas ouvimos a Feist perdida pelas paredes que nunca deixaram de ser brancas.
Os melhores jantares faziam-se sempre a dois. Com os pés descalços e em misturas de vinhos que estavam abertos de jantares passados.
Não devíamos nada a ninguém e por isso o tempo começava e acabava na nossa vontade de fazermos companhia enquanto o verão durasse.
Às vezes vestia as t-shirts largas e calçava uns ténis Gazelle que nunca mais quis pôr.
Nunca me apaixonei apesar das tantas noites e dias em que fizemos companhia.
Mas era bom assim.
Sem compromissos.
Nem afectos.
Apenas o impulso de ser bom não ser de ninguém.
No cansaço dos jantares perdidos, adormeci num sofá gelado de pele e deixava que me ficasse a pentear o cabelo e dizia sempre com tristeza enquanto me olhava:
"Joana, Joana, um dia vais ter de crescer".
Dos tempos em que não amei nada nem ninguém.
Dos tempos em que vivi sem me preocupar com o ontem ou o amanhã.
Desses tempos e de mim...
Em que ninguém me tocava o coração, nem arrepiava a pele.
Tenho agora saudade.


Como é que se explica a um homem que estar sozinha não é sinal de estar disponível?